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Foto do escritorDiana Cruz

Histórias da psicoterapia: quando o amanhã não tem de ser igual


Uma história da psicoterapia - e de todas as mulheres (e homens) que não querem que amanhã seja o dia de repetir a mesma narrativa.


“Um dia a minha raiva não me deixou aguentar mais e contei há única pessoa que tinha obrigação de acreditar em mim, que tinha sido sexualmente abusada. Tinham passado tantos anos desde que isso tinha acontecido e eu tinha-me convencido de que não podia contar a ninguém. Não podia fazê-lo, na minha ideia, porque a culpa também era minha.

Falar, pôr em palavras, materializar esse acontecimento tornar-me-ia ainda menos digna, mais suja, do que eu já me sentia. Eu não ia aguentar isso, a minha dignidade rasgada, amachucada e deitada ao chão, não tinha forças para mais repulsa.


No dia em que contei, a única pessoa deste planeta, que deveria dar-me colo, segurar-me, confiar em mim, não o fez. Pelo contrário, ficou zangada como se lhe tivesse apresentado uma falta disciplinar na escola que eu podia e devia ter evitado. Não sei se por estar a dividir com ela o fardo de um problema pesado demais, ou por estar a confrontá-la com a dificuldade que ela tinha em fazer o que era suposto: proteger, cuidar, confiar, simplesmente amar. Talvez a reação da minha mãe se devesse a ambas as razões, ou por outras, além destas, que eu não conseguia conceber, de tão cheio que estava o meu coração. Cheio de vergonha, raiva, nojo, humilhação, moldados em segredo que não era só meu. Parecia ser apenas sobre um problema que imaginei ter em mim quando tudo isto aconteceu, para explicar o inexplicável, a violência, a atrocidade a que eu precisei de dar algum sentido, qualquer que ele fosse. Valia tudo, até a culpa ser minha, e ainda hoje, num sítio escuro do meu ser parece que ainda existem células de mim que acreditam que fui, mesmo quando eu já compreendi que não.


Agora percebo que todos os papéis da minha vida que são importantes – ser mãe, mulher, amiga, companheira, amante –, ficam contaminados por esta história, primeiro escondida e depois repudiada, da minha vida. Sempre que há uma tensão num destes papéis, uma decisão que não sei como tomar ou não sei se tomei bem, um erro cometido, eu volto a ser aquela miúda cheia de raiva, vazia de dignidade, carregada de humilhação, em quem ninguém acreditou e que acredita que só pode estar a fazer tudo mal.


Nesses momentos, ainda que já não seja apenas uma adolescente, mas sinto-me igualmente suja, indigna, como mulher, como mãe, como pessoa. E amanhã, a história vai repetir-se.”


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