Sugestões de leitura para te conheceres melhor (e às tuas relações)
- Diana Cruz

- há 6 dias
- 4 min de leitura
Há livros que lemos e esquecemos. E há livros que nos leem a nós.
Quando falamos de relações, identidade, desejo e forma como nos ligamos aos outros, a leitura pode ser uma espécie de consultório silencioso: abre perguntas, faz emergir memórias, traz inquietações que, muitas vezes, já lá estavam – só ainda não tinham nome.
Neste artigo, partilho contigo três livros que, de formas diferentes, dialogam com temas centrais da psicologia:a história das relações, a homossexualidade masculina e a vinculação afetiva.
Não são leituras “leves”, mas são leituras profundamente humanas.Se te interessam temas como amor, vínculo, identidade e segurança nas relações, vale a pena abri-los com calma.
1. “Autobiografia não escrita de Martha Freud” – dar voz a quem esteve na sombra

Este romance parte de uma base muito concreta: cartas trocadas entre Martha Bernays e Sigmund Freud. A partir dessa correspondência real, a autora constrói uma narrativa ficcional que ilumina Martha enquanto mulher, parceira e sujeito – e não apenas “a esposa de Freud”.
O que torna este livro tão interessante não é só o contexto histórico, mas a forma como nos convida a olhar para:
o lugar da mulher numa relação marcada por uma figura masculina muito forte
os papéis silenciosos que tantas vezes são desempenhados na sombra
a tensão entre o “ser para o outro” e o “ser para si”
Embora seja um romance, a obra apoia-se numa interpretação cuidada das cartas, o que lhe dá consistência e profundidade. Martha deixa de ser apenas um nome lateral na biografia de Freud para se tornar uma pessoa inteira, com desejos, limites, frustrações e ambivalências.
Porque é que o recomendo - Gostei muito desta leitura porque:
traz uma versão mais complexa e menos idealizada daquela relação
mostra o impacto de uma dinâmica conjugal onde um dos elementos ocupa quase todo o espaço
abre inquietações importantes sobre o lugar que cada pessoa ocupa numa relação – ontem e hoje
Se te interessam histórias de bastidores, relações assimétricas e o modo como o amor se mistura com poder, este livro pode ser uma excelente companhia.
2. “Um amor que não se diz” – dar nome às dúvidas, receios e dores da homossexualidade masculina

Neste livro, o professor Daniel Sampaio volta a fazer aquilo a que já nos habituou: usar a forma de romance para dar corpo às dúvidas, dilemas e sofrimentos de tantas pessoas reais.
Aqui, o foco está nas relações sexuais e afetivas entre homens. A narrativa permite acompanhar o mundo interno de quem vive a homossexualidade:
com certezas
com dúvidas
com receios profundos
com medo do julgamento e da rejeição
Ao longo do livro, vamos sentindo o peso do silêncio, da culpa, do segredo e das forças externas (família, sociedade, expectativas) a influenciar o que cada personagem consegue ou não assumir em voz alta.
Porque é que o recomendo: Na minha perspetiva, este é um romance lindamente escrito e, ao mesmo tempo, rigoroso do ponto de vista clínico e científico. Não romantiza nem patologiza – mostra.
Ajuda-te a:
compreender melhor os conflitos internos de quem vive a homossexualidade num contexto que ainda pode ser hostil
ganhar empatia e linguagem para falar deste tema com respeito
perceber que, por trás de qualquer identidade sexual, existem sempre histórias, medos, necessidades de pertença e desejo de ser amado
É um livro que enriquece qualquer adulto e adolescente – independentemente da orientação sexual. Ao acompanharmos estas personagens, também nos confrontamos com as nossas próprias crenças sobre amor, masculinidade, intimidade e liberdade.
3. “Ligados” – compreender a vinculação e reconhecer os teus padrões nas relações

Cada vez mais pessoas me pedem referências para compreender melhor o vasto campo da psicologia da vinculação: por que motivo escolhemos determinadas pessoas, porque repetimos padrões, porque os mesmos medos regressam em relações diferentes.
O livro “Ligados” (de Amir Levine & Rachel Heller, no original “Attached”) é uma excelente porta de entrada para este tema.
Não é um livro “simpático” no sentido de ser leve – é denso e, por vezes, desafiante. Mas é extremamente útil porque:
apresenta de forma clara os principais estilos de vinculação (seguro, ansioso, evitante)
mostra como estes estilos se formam e se expressam nas relações adultas
ajuda-te a identificar o teu próprio padrão e o das pessoas com quem te relacionas
Para além da explicação teórica, traz exemplos práticos e sugestões de como:
reconhecer dinâmicas que alimentam insegurança, perseguição, fuga ou dependência
escolher melhor as relações em que te envolves
nutrir, pouco a pouco, relações mais seguras – que é aquilo de que todos precisamos
Porque é que o recomendo: Numa época em que tanto se fala de “red flags” e “relações tóxicas”, este livro vai mais fundo: em vez de te dizer apenas o que evitar, ajuda-te a entender como te ligas e o que podes fazer, na prática, para criar vínculos mais regulados e seguros.
É um livro que não lês apenas com a cabeça; lês também com o corpo, lembrando-te de relações passadas, padrões antigos e momentos em que te sentiste demasiado ou não suficiente.
Como aproveitar estas leituras de forma terapêutica
Ler sobre relações, história, homossexualidade e vinculação não substitui terapia – mas pode complementar muito bem o teu processo interno.
Algumas formas de tirares mais partido destas leituras:
sublinhar passagens que te mexem por dentro
escrever breves reflexões sobre personagens ou situações que te lembram a tua vida
levar para terapia frases, cenas ou ideias que te tenham tocado (ou incomodado)
observar que emoções surgem: identificação, resistência, tristeza, esperança, raiva, alívio
Muitas vezes, é num parágrafo de um romance ou num exemplo clínico que, de repente, te reconheces como nunca tinhas conseguido antes.
Se ao ler sobre estas histórias e conceitos sentes que algo desperta – uma dor antiga, uma relação que ainda não fechaste, uma parte de ti que nunca foi bem acolhida – isso pode ser um convite.
Um convite para, em vez de continuares sozinho/a nesta reflexão, trazeres estas questões para um espaço terapêutico seguro, onde possas:
organizar a tua história
compreender os teus padrões
construir relações mais honestas e seguras, contigo e com os outros
Até lá, talvez um destes livros possa ser o início de uma conversa importante entre ti e ti.



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